Heidegger e a “Necessidade de uma retomada
da questão do ser.”
Fernando Otávio l. da Silva
Analisando o
tópico da primeira parte de “Ser e tempo” de Martin Heidegger, vi a necessidade
de me perguntar: Qual a razão ou motivo que levou Heidegger a pensar que o seu
tempo precisava urgentemente retomar a questão do ser? E o motivo maior é o
homem. O homem está na base de suas reflexões.
Mas antes de
responder, é bom lembrar que para uma compreensão da proposição acerca do ser,
se faz necessário conhecer a definição que a ontologia antiga dá a ele. Sem
isso, o entendimento provavelmente ficará prejudicado.
Bom, o conceito
que possibilitou que a ontologia se firmasse como sendo aquilo que melhor
explicava o ser e que vigora até nossos dias, foi aquele elaborado por
Aristóteles, cujo princípio da não contradição, se firma no postulado de que o
Ser É e não pode não ser, ou seja, nela o ser é observado partindo de seus
acidentes e não de sua própria existência, isso quer dizer que: sua existência
fica submetida a sua essência. O ser se apresenta como a essência presente nos
acidentes. Assim a essência é o fator que determina todos os seres. Foi essa
mesma ontologia que norteou o pensamento de Platão a Hegel e que agora será
contestada por Heidegger. No seu entendimento, ela não fornece, ou melhor, não dá
respostas suficientes para uma compreensão satisfatória do sentido do ser.
Para o nosso
autor, ela (ontologia) não responde ao questionamento do ser, especialmente o
ser do homem, muito pelo contrário, deixa-o vago e obscuro. Numa carência de
sentido. E mais, o ser-em-si, que é o ser do homem fica nevoado e prescindindo
de definição, e o que é pior, formou-se em volta da questão do ser um dogma,
que quem se atreve a relembrar é acusado de cometer um erro metodológico, mesmo
que se apontem as distorções que ela contém. E o mais grave é que essa questão
caiu no esquecimento e muitos apontam como inútil o seu resgate. Mas a questão
tem procedência, e não deve ser considerada uma questão qualquer, pois visa conhecer
o ser partindo das possibilidades do que ele possa ser. E aqui está o grande
equivoco da ontologia achar que o ser fato dado e acabado. Seu grande erro, segundo Heidegger, é que ela
busca conhecer o ser partindo dos predicados como forma de determinação do ser.
Desse modo subentende-se que todos os seres, sem exceção, possuem predicados,
inclusive o ser do homem.
É essa forma
equivocada de pensar o ser que faz como que Heidegger levante e aponte a
necessidade de uma retomada da questão do ser, não somente como forma de
resgatar o ser do homem do esquecimento, da trivialidade e do obscurantismo,
mas também por considerar vital para a compreensão do que vem a ser o ser do homem.
Nas suas
elucubrações aponta as falhas que a ontologia comete quando se reporta ao ser
do homem e parte com o intuito de corrigi-las. Essa sua partida não visa
destruir a ontologia, visto que ela própria serve de base para o seu pensamento.
O que deseja realmente e re-elaborar o ser do homem, mas sob uma nova
perspectiva.Mas como se dará essa nova perspectiva? Calma! já explico.
Como disse
ainda pouco, na ontologia antiga, os predicados é quem determina o ser, ou seja,
eles servem de mediadores para a compreensão do ser. O que Heidegger pretende é
justamente achar uma forma de conhecer o ser por ele mesmo, sem fazer uso de mediadores para a compreensão do ser.
Segundo nosso
autor o ser do homem é desprovido de qualquer predicado, nenhum conceito pode
determina-lo. O homem não é uma coisa, um objeto do qual se possa formular uma
definição a partir de conceitos superiores e nem explicá-lo através de
conceitos inferiores, para daí determinar sua essência. Logo podemos inferir
que os fundamentos que a antiga ontologia usa para determinar as coisas, são
inapropriados para explicar o ser. Como assim, inapropriadas! Ora as coisas, ou
os entes são definidos a partir de suas propriedades e atributos. Sua essência
advém daí. O ser do homem, que é o ser-aí, que é o estar presente, somente faz
sentido na existência. O homem é ser de existência e não de essência. E mais,
sua existência só tem sentido na busca. O homem que é um ser de existência,
somente tem sentido quando parte para sua definição, é essa definição está
inevitavelmente ligada a realização de um projeto. Mas esse projeto
está sempre e constantemente por se
concluir. Não existe um porto de chegada, só de partida, porque se tiver
chegada, um ponto final, não haverá mais existência pelo simples fato de se
constatar a conclusão, e a conclusão não é fator de determinação. O que
determina o ser do homem é sua indefinição,
incompletude. Sua busca em ser
alguma coisa, o leva sempre a projetar-se a diante, não como forma de
autoafirmação, mas é um meio dele marcar presença, se fazer presente. O homem é
um ser vazio, que precisa ser preenchido com sentidos, e sentidos são
construídos e transformados mediante relações que estabelecemos com os outros.
Diante do que
foi exposto um fato é certo, toda projeção está submetida a três condicionantes,
a primeira condição se refere quando o ser-aí, ser de presença se relaciona com
o mundo. O mundo lhe impõem limites mais também possibilidades de realizar os
projetos projetados. A segunda condição se refere quando o ser de presença, o
ser-aí se relaciona com os outros, ou seja, o meio social funciona ao mesmo
tempo como fonte de projeções e de limites para elas. A terceira condição se
estabelece pela relação ser e morte. Todos nós somos conscientes e temos
certeza de que um dia iremos morrer, mas essa certeza não estabelece o dia nem
a hora, permitindo-nos um tempo para nos projetar. Mesmo que a morte seja mais
um entre tantos elementos circunstanciosos e impeditiva de realizações de
projetos. Mesmo com toda essa carga de negatividade, mesmo com tudo isso, ela
ainda serve como impulso para o homem se projetar na construção de si mesmo. Ela
pede que o homem seja rápido em se projetar. Sem a consciência da morte, não teríamos
a existência da urgência de nos projetar nem de realizar os projetos
engendrados.
Quando
Heidegger insiste na necessidade de uma retomada da questão do ser, pretende, não só
recolocar o ser em discussão, mais também valoriza-lo. E para isso propõem a
re-eleboração do ser, partindo da própria desconstrução do ser, ou seja,
desfazer o que, ao longo da história da filosofia é transmitido como sendo o
sentido certo e inquestionável do ser. Como afirma Stein, ”Heidegger pretende
superar essa eterna aporia da metafísica colocando o homem, com sua facticidade
e historicidade, já sempre para fora de si mesmo, para dentro da compreensão do
ser como existência. A condição fática existencial revela uma estrutura própria
do homem. Não são categorias que o explicam, mas existências que permitem
compreende-lo.” O homem que pensa sobre sua própria existência é capaz de
construir uma vida mais fecunda e, por consequência, um mundo melhor.
Enquanto não
houver uma profunda compreensão de quem é o homem, partindo pelo entendimento
do sentido do ser, não se terá as condições necessárias para dar avanços no que
diz respeito à caminhada da humanidade.
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